O jato da Delta Airlines tocou o solo americano em Atlanta, Geórgia, às 6:15 de uma fria manhã de inverno, hora local. Esperei até que a maioria dos passageiros tivesse saído e me precipitei porta afora, mal prestando atenção ao sorriso plastificado e cansado da aeromoça que me dizia "obrigado por escolher a Delta Airlines.. etc, etc.." Me lancei por aqueles enormes e infinitos corredores de carpete azul, ora à esquerda, ora à direita, os olhos fixos na plaquinha que me indicava "Immigration".Boca seca, coração aos pulos e passaporte na mão, a tal immigration não passou de uma decepção à primeira vista. Minha expectativa era tão grande que eu esperava algo mais grandioso, digno da magnitude dos EUA. Mas a coisa não passava de uns três guichês muito michos, parecidos com caixas de supermercado. Em cima, três placas indicavam Visitors, Residents e US Citizens. Me postei logo atrás da fila de Visitors, a maior das três, a que se movia lentamente.
Chegada a minha vez, estendi até com uma certa formalidade meu passaporte à oficial da Imigração americana, uma loura oxigenada que mal me olhou e já foi perguntando "Primeira vez nos EUA ? Qual o motivo da visita, prazer ou negócios?" Respondi, com a maior seriedade: " Férias, vacations..."Esta história de "prazer" sempre me soou como bandalheira, sacanagem, coisa de habitante do Terceiro Mundo. A loura insossa me olhou de novo, desta vez mais demoradamente. Já me causou um certo incômodo, mas aguentei ali firme, garbosamentePegou meu passaporte, acenou para uma mocinha que estava atrás do guichê e emendou, indiferente:” Acompanhe essa oficial, por favor..”.
Gelei, tremi nas bases. Saí da fila e segui a moça do INS (Immigration National Services) que foi me tranqüilizando: “Olá”, me disse ela em português perfeito, “sou brasileira e trabalho para o Serviço de Imigração americano como tradutora. Não se preocupe, isso é só uma formalidade.” Formalidade ou não, eu estava num cagaço danado. Caso fosse recusada minha entrada nos EUA, todo o projeto pessoal no qual eu envidara todos os meus esforços e minhas parcas economias juntadas nos últimos seis meses estavam indo por água abaixo. E aquilo eu não podia deixar acontecer.
Entramos numa sala lateral e ali estava sentado um oficial negro que imediatamente me lembrou o ator Forrester Whitaker, só que portava aquele bigodinho fino sobre o lábio superior, coisa que eu aprenderia mais tarde, era um must no meio da comunidade negra americana. O oficial pegou meu passaporte, folheou algumas páginas enquanto a mocinha brasileira ficava ali, atenta a qualquer intervenção. Após alguns segundos de um silencio sepulcral, ele me pergunta de novo: “Afinal, qual é mesmo o motivo de sua visita à América?
Aí me deu um estalo, um insight ! Horas antes, durante o vôo, eu havia tido como companheira de viagem a filha de uma americana que trabalhava como missionária na periferia de São Paulo. Habituada àquelas viagens, Karen foi uma senhora mão na roda, me explicando uma série de detalhes como funcionava o esquema da Imigração, dicas para vencer as eventuais armadilhas e dificuldades de se viver nos EUA, para quem se aventurava pela primeira vez, como era o meu caso.
Apenas por curiosidade ou hábito, eu destacara da revista de bordo e guardara no bolso, um convite para uma feira de negócios à qual, obviamente, eu jamais iria. Juntamente com uma reserva de três dias num Holiday Inn qualquer, aquele era o meu “kit de sobrevivência” em caso de alguma zebra na Imigração. Horas antes de embarcar em São Paulo, minha irmã, veteraníssima em viagens à América, meteu na cabeça que eu deveria viajar todo enfatiotado, de terno de lã, gravata e sobretudo, para dar mais credibilidade no meu processo de entrada nos EUA.
Só que a experiência dela se limitava a inúmeras viagens a Nova Iorque e Chicago, cidades bem diferentes da quase interiorana (para padrões americanos, é claro) Atlanta. Aí, finalmente saquei, é que estava o problema e veio a primeira lição: para o americano classe média, cheio de condicionamentos, regras e regulamentos gerados por uma sociedade altamente competitiva, informação visual tem que bater com a oral, senão complica aquela cabecinha pouco desenvolvida para o raciocínio abstrato.
Para aquele oficial da Imigração, ninguém em sã consciência sairia de férias trajado de terno, gravata e sobretudo. A referencia dele seria bermudas, tênis com meias até o meio da canela e aquelas horrorosas camisas estampadas que turistas e idosos costumam usar na Flórida. Ok, é um estereótipo, mas que ainda funcionava. Daí, a saída foi partir para a tática do “abafa”. Puxei a minha reserva do hotel, o tal convite mandrake para a feira de negócios e expus sobre a mesa meu cartão de crédito internacional (cancelado ainda no Brasil, obviamente, mas ele não sabia disso...).
Minha argumentação tinha lógica: eu havia vindo para os EUA de férias, mas antes disso iria partitipar de uma feira de negócios em Atlanta, estava ali minha reserva de hotel e meu cartão de crédito. Depois disso, iria para Nova Iorque e me encontrar com amigos para os festejos de fim de ano. Pura cascata. Mas colou bem, subitamente tudo fazia sentido e lógica, justificava minha indumentária, etc, etc. Mas sem querer ou saber, eu descobriria mais tarde, eu havia colocado o oficial da Imigração numa saia justa.
Ao apresentar minhas “provas” sem ter sido exigidas eu automaticamente o colocava na obrigação de investigá-las, uma chatice sem tamanho e burocracia para um simples visto de entrada. Afinal, para ele eu parecia somente um idiota sul americano de meia idade que insistia em andar de terno e sobretudo numa suposta viagem de férias e não configurava nenhum perigo real e imediato. Sem maiores delongas, carimbou meu visto de entrada e me desejou feliz estada nos EUA. Respirei aliviado, juntei meus pertences e saí para resgatar minha bagagem, Eu estava na América e livre para me mandar, rumo ao american dream. Finalmente.
O Hartsfield Jackson International Airport de Atlanta é o maior aeroporto americano e também o maior do mundo em volume de pousos e decolagens. Suas instalações físicas nada ficam a dever à sua capacidade operacional; é um mundo de andares, escadas rolantes, lojas, restaurantes e até uma linha exclusiva de metrô que te levam de um terminal a outro. Foi num desses que embarquei rumo ao Luggage Claim a fim deresgatar minha mala.
Foi tempo suficiente de sair ao encontro de minha prima que vivia lá seis anos, perfeitamente adaptada à vida americana. Rita é o exemplo acabado das milhares de brasileiras de classe média - era professora do segundo grau aqui no Brasil - que emigraram em busca de vida melhor, após a derrocada da "década perdida", nos anos oitenta. Vivia em Greenville, Carolina do Sul, com seus dois filhos adolescentes e seu marido, Gilberto, que trabalhava com caminhões. Era lá que eu iria ficar os primeiros meses até aprender a andar com meus próprios pés...
(foto reprodução)
quinta-feira, 28 de julho de 2011
DIÁRIOS DO AUTO EXILIO...
Durante três anos vivi nos EUA, mais precisamente do final de 98 até 2001. Os motivos que me levaram até lá foram os de sempre, falta de grana e perspectiva aos 45 anos de idade, males que acometeram muitos quarentões daquela época, deixando-os fora do mercado de trabalho. Não só eu, mas muita gente da minha geração tentou o "american dream", alguns por via digamos, pouco ortodoxas.
Mas entrei pela porta da frente, com um contrato de trabalho e um visto legal. Quando voltei e ao longo dos anos, fui me dando conta que havia presenciado alguns dos mais representativos fatos da vida econômica, política e social americana recentes como o final dos anos Clinton, a eleição fraudulenta de George W. Bush e o 11 de Setembro. Sim, eu estava lá..
Mas, o mais importante, tinha conhecido e convivido com o mundo subterrâneo americano, a vida dos ilegais que sustentam grande parte da economia ianque, suas manobras e exercícios de sobrevivência, uma luta violenta, surda e silenciosa que ocorre logo abaixo da aparente normalidade do american way of life. De tanto contar as minhas aventuras e desventuras em plagas do Tio Sam, alguém me sugeriu que colocasse isto no papel.
Reuni minhas lembranças e anotações esparsas em pedaços de papel e logo tinha um calhamaço de mais de 200 páginas. Ali registrei meu encantamento inicial com a vida americana, a aparente riqueza infinita (anos Clinton, lembrem-se bem...) e os primeiros problemas de adaptação ao dia a dia em terras estranhas. Por fim, um certo desencantamento - ou maior capacidade crítica - que culmina com o atentado do 11 de Setembro e a volta ao Brasil.
Daria um livro, por certo, mas aí eu esbarraria num problema, a exposição desnecessária de algumas pessoas que me são caras e ainda se encontravam lá, vivendo a dura realidade da vida clandestina. Passou-se o tempo, desisti de registrar em livro, mas vez por outra os "fantasmas" voltavam a me assustar. Era preciso exorcizá-los de alguma maneira e a que encontrei inicialmente foi criando um blog, o “Diários do Auto Exílio”.
Por fim, não há aqui nenhuma intenção dos “Diários” em servir como guia ou referencia a quem quer que seja. É apenas o depoimento de alguém que viveu à sua maneira o sonho americano e aqui expõe as entranhas, com suas ilusões, esperanças e eventuais desencantos.
Espero que gostem.
(foto arquivo pessoal)
Mas entrei pela porta da frente, com um contrato de trabalho e um visto legal. Quando voltei e ao longo dos anos, fui me dando conta que havia presenciado alguns dos mais representativos fatos da vida econômica, política e social americana recentes como o final dos anos Clinton, a eleição fraudulenta de George W. Bush e o 11 de Setembro. Sim, eu estava lá..
Mas, o mais importante, tinha conhecido e convivido com o mundo subterrâneo americano, a vida dos ilegais que sustentam grande parte da economia ianque, suas manobras e exercícios de sobrevivência, uma luta violenta, surda e silenciosa que ocorre logo abaixo da aparente normalidade do american way of life. De tanto contar as minhas aventuras e desventuras em plagas do Tio Sam, alguém me sugeriu que colocasse isto no papel.
Reuni minhas lembranças e anotações esparsas em pedaços de papel e logo tinha um calhamaço de mais de 200 páginas. Ali registrei meu encantamento inicial com a vida americana, a aparente riqueza infinita (anos Clinton, lembrem-se bem...) e os primeiros problemas de adaptação ao dia a dia em terras estranhas. Por fim, um certo desencantamento - ou maior capacidade crítica - que culmina com o atentado do 11 de Setembro e a volta ao Brasil.
Daria um livro, por certo, mas aí eu esbarraria num problema, a exposição desnecessária de algumas pessoas que me são caras e ainda se encontravam lá, vivendo a dura realidade da vida clandestina. Passou-se o tempo, desisti de registrar em livro, mas vez por outra os "fantasmas" voltavam a me assustar. Era preciso exorcizá-los de alguma maneira e a que encontrei inicialmente foi criando um blog, o “Diários do Auto Exílio”.
Por fim, não há aqui nenhuma intenção dos “Diários” em servir como guia ou referencia a quem quer que seja. É apenas o depoimento de alguém que viveu à sua maneira o sonho americano e aqui expõe as entranhas, com suas ilusões, esperanças e eventuais desencantos.
Espero que gostem.
(foto arquivo pessoal)
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